a insegurança jurídica é também do devedor: seleção adversa e custo do crédito no brasil ana lúcia pinto da silva, luciana luk-tai yeung e c

A INSEGURANÇA JURÍDICA É TAMBÉM DO DEVEDOR: SELEÇÃO ADVERSA E CUSTO DO
CRÉDITO NO BRASIL
Ana Lúcia Pinto da Silva, Luciana Luk-Tai Yeung e Carlos Eduardo
Carvalho1
RESUMO
O trabalho defende que sejam estendidas aos riscos do devedor as
análises sobre as implicações da insegurança jurídica para a oferta e
o custo do crédito. O debate brasileiro destaca apenas problemas
enfrentados pelos credores, diante de dificuldades para execução de
garantias, morosidade do processo judicial e baixa previsibilidade das
decisões dos juízes. A literatura da área ignora problemas
assemelhados enfrentados pelo tomador de crédito quando se defronta
com procedimentos oportunistas por parte dos credores. O Banco Central
do Brasil alinha-se com esse posicionamento unilateral e concentra
suas iniciativas em medidas para tornar mais segura a posição dos
credores. O trabalho analisa 1.687 decisões do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) que evidenciam a inexistência de viés anti-credor do
Judiciário, ao contrário do que é defendido na literatura econômica da
área, e propõe um modelo teórico para sustentar que a insegurança
jurídica dos devedores pode provocar retração na demanda de crédito
por parte de empresas e de indivíduos que têm condições de desenvolver
suas iniciativas com recursos próprios. Essa conduta tende a reduzir a
alavancagem dos negócios e a aumentar a participação de tomadores de
maior risco nas carteiras de crédito, problema apresentado pelos
bancos para justificar os spreads elevados.
Palavras chave: insegurança jurídica; custo do crédito, seleção
adversa
ABSTRACT
This paper argues that the analysis about the implications of the
jurisdictional uncertainty about credit offer and costs should also be
extended to the debtor’s risks. The debate in the Brazilian literature
only emphasizes the problems faced by creditors, with the difficulties
of contracts enforcement, inefficiency and unpredictability of
judicial decisions. The Central Bank in Brazil also endorses this
unilateral position e focus its actions by taking measures that make
creditors’ position safer. We show in this paper, an analysis over
1,687 lawsuits decided by the Superior Tribunal de Justiça (STJ) over
private debts. The results offer no evidence of any anti-creditor bias
by the Judiciary, as argued traditionally in the economic literature.
Finally, we offer a theoretical model to sustain that the
jurisdictional uncertainty faced by debtors could result in the
retraction of credit demand by those who have means to invest with
their own results. This, in turn, decreases the credit possibilities
by business and also increases the proportion of risky debtors in the
credit portfolio of the banks. This final result is the main reason of
the very high interest rates and financial spreads in the country.
Key words: jurisdictional uncertainty; cost of credit; adverse
selection
JEL: E50, G14, K40
1. INTRODUÇÃO
As implicações da insegurança jurídica quanto ao cumprimento dos
contratos têm sido discutidas na literatura econômica como um dos
determinantes para a reduzida expansão do crédito e para os altos
spreads praticados pelos bancos no Brasil. Diante da expectativa de
dificuldades e morosidade para execução de garantias e da baixa
previsibilidade das decisões judiciais em caso de litígio com o
devedor, os bancos restringiriam a oferta de crédito e embutiriam uma
margem adicional no custo das operações, com prejuízos para o tomador
de menor risco e para a atividade econômica em geral.
Essa literatura, contudo, trata a insegurança jurídica de forma
unilateral, como se fosse um problema apenas do devedor, e ignora
inteiramente a existência de insegurança jurídica também para o
devedor. Para o tomador de crédito, a incerteza é gerada por diversas
fontes: (i) porque o banco tem condições para tomar atitudes não
previstas ou previstas de forma insuficiente no contrato inicial
(cobrança de taxas adicionais, exigência de reciprocidades); (ii)
porque o banco pode estabelecer exigências descabidas no caso de
dificuldades de pagamento pelo devedor; (iii) porque o banco pode
negar a renovação do crédito ou exigir condições muito desfavoráveis
para a renovação; (iv) e, finalmente, porque o tomador tem menor
conhecimento sobre as reais conseqüências do descumprimento do
contrato. Em suma, o tomador de crédito tem uma assimetria de
informação maior e está numa posição de maior vulnerabilidade diante
de práticas oportunistas por parte do banco e está sujeito a condições
muito adversas em caso de dificuldades para pagamento dos encargos e
principal do contrato.
Diante do custo de elaboração e de monitoramento dos contratos,
conforme discutido adiante, o tomador de crédito é a parte mais fraca
no negócio, por não conhecer ou por não entender claramente as
cláusulas do contrato (Cooter e Ulen, 2003). Para o credor, não há
incentivo para informar adequadamente ao devedor sobre as condições
dos contratos, o que aumenta de forma considerável a incerteza em que
este incorre. Trata-se de um problema de assimetria de informação,
desfavorável principalmente para o tomador de crédito. No caso de
conflito com o banco, o tomador de crédito também enfrenta a
morosidade do processo e a baixa previsibilidade das decisões
judiciais.
O problema é agravado pela forte disparidade de poder econômico entre
os credores e os devedores para enfrentar os custos de uma disputa
judicial. Empreendedores de pequeno porte, pessoas físicas e
empresários de médio porte estão em evidente desvantagem no caso de
disputa judicial com prazo e resultado incertos. O oponente contará
com departamentos jurídicos próprios e disporá de recursos para
contratar escritórios especializados, enquanto o querelante terá que
se afastar da gerência do negócio para acompanhar o caso, com
advogados contratados com baixa remuneração.
Frente a tais riscos, a atitude mais racional da empresa ou do
empreendedor individual pode ser evitar o uso de recursos dos bancos,
para minimizar riscos. Com isso, muitos projetos com boas perspectivas
de sucesso não são encaminhados, pela relutância em tomar crédito, e
os bancos são induzidos a emprestar para projetos de maior risco.
Haveria assim uma tendência de seleção adversa dos clientes dos
bancos: a demanda de crédito tenderia a se concentrar em projetos de
risco alto, com rentabilidade esperada suficiente para compensar
riscos de conflito com o credor, ou em projetos já em desequilíbrio
financeiro acentuado, em que os custos de conflitos seriam menores que
os custos de insolvência. Seria um círculo vicioso, em que os bancos
emprestam mais para clientes de maior risco, o que amplia o risco de
inadimplência e induz a definição de spreads mais altos. Esse processo
tende a formar um quadro de repressão financeira, em que a demanda
potencial de financiamento não é inteiramente exercida, por receios
dos tomadores, e os ofertantes são induzidos a ampliar a participação
de projetos de maior risco em suas carteiras.
A ausência de referências aos problemas dos devedores na literatura
sobre insegurança jurídica é muito grave diante do elevado volume de
queixas e reclamações de tomadores de crédito e de cliente de bancos
em geral. A literatura econômica ignora também as pesquisas empíricas
que contestam a tese de que o Judiciário brasileiro tenderia a decidir
sempre em prol do devedor, o que aumentaria apenas a insegurança dos
bancos, e não dos tomadores de crédito. Acrescente-se ainda que a
orientação do Banco Central do Brasil está voltada para a defesa dos
bancos, apresentados como vítimas inocentes de atitudes desleais dos
tomadores de crédito e de comportamentos imprevisíveis do Judiciário.
O trabalho propõe que a discussão da insegurança jurídica e de suas
implicações sobre o crédito inclua os problemas do devedor. Para
tanto, está organizado em três seções, além dessa introdução. A
segunda seção resume a literatura básica da área, com o objetivo de
evidenciar que os conceitos envolvidos devem ser aplicados igualmente
aos devedores, excluídos do debate de forma injustificada. A terceira
apresenta uma resenha dos problemas enfrentados pelos tomadores de
crédito no Brasil, com base em informações disponíveis e em pesquisas
empíricas sobre a atuação do Judiciário. Esta seção também apresenta
os resultados da análise de 1.687 decisões do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), mostrando que, ao contrário do argumentado na
literatura econômica brasileira, não há viés anti-credor no Judiciário
brasileiro, pelo menos no que diz respeito às instâncias superiores. A
quarta seção, por fim, apresenta um modelo teórico que permite
analisar os efeitos da insegurança jurídica, tanto do credor quanto do
devedor, sobre o custo e a oferta de crédito no Brasil.
2. A TEORIA ECONÔMICA DOS CONTRATOS E A INSEGURANÇA JURÍDICA NO
CRÉDITO
A relação entre o tomador de empréstimos e a instituição financeira
que concede o crédito é uma relação contratual formal e deve ser
analisada à luz da teoria econômica dos contratos.
É muito clara a função desempenhada pelos contratos, segundo a teoria
econômica. Todas as vezes em que houver uma relação onde um agente
econômico faz uma promessa para o outro, que será cumprido num
determinado decorrer de tempo, existe o risco do eventual
descumprimento por aquele que promete para aquele que recebe a
promessa. Para tanto, a existência de um contrato oficializa a
promessa e, principalmente, estabelece qual será a punição caso a
promessa não seja cumprida. É a forma institucional de minimizar os
riscos para aquele que acreditou na promessa e fez um investimento com
base nela. Zylbersztajn e Stajn (2005) mostram que
um contrato significa uma maneira de coordenar as transações, provendo
incentivos para os agentes atuarem de maneira coordenada (...) o que
permite planejamento de longo prazo e, em especial, (...) que agentes
independentes tenham incentivos para se engajarem em esforços
conjuntos de produção (p.104).
No mundo real, os contratos podem ser ainda mais complexos quando
existem múltiplas promessas em uma única relação e cada agente tem um
rol de obrigações e direitos derivados daí. Por essa complexidade, o
contrato não é um instrumento que tem custo insignificante, um mero
detalhe nas transações.
O estudo dos contratos foi ignorado pela teoria econômica tradicional.
A formulação e a execução dos contratos não eram consideradas pelos
economistas neoclássicos e, com isso, muitas dos problemas encontrados
no mundo real foram ignorados. Foi somente com Coase (1937) que estes
custos foram trazidos ao centro da discussão econômica. O autor
identificou a existência destes custos não somente em momentos de se
criar e executar contratos, mas também de outros custos inerentes a
todas as transações na economia, que não aqueles da produção dos bens
e serviços. Foi o que ficou denominado posteriormente como “custos de
transação” pelos economistas institucionalistas.
Negociar e redigir o contrato acarreta custos para as partes
envolvidas, e quanto mais detalhado for o contrato negociado, maiores
serão os custos incorridos. Nessa ótica, o grau de detalhamento
dependerá dos riscos que ele será capaz de minimizar vis-à-vis o custo
de se negociá-lo, ou o custo de transação da formulação do contrato.
Se negociar um contrato com inúmeras cláusulas for relativamente
barato e isso levar a uma grande redução de custos derivados de riscos
potenciais, certamente o contrato será mais detalhado, permitindo aos
agentes a salvaguarda contra um maior número de situações potenciais
de risco. Nestes casos, diz-se que o contrato será mais completo. Por
outro lado, se negociar um contrato longo e complexo, com previsão de
quase todas as eventualidades, for uma tarefa custosa em comparação
com o custo dos riscos potenciais riscos, este contrato será
provavelmente menos completo e conterá mais lacunas. Caso surjam
problemas por conta dessas lacunas, os conflitos deverão ser dirimidos
depois, pelas próprias partes ou por um terceiro agente, um juiz, que
decidirá o que fazer diante de conflitos derivados das relação
contratual.
Assim, três elementos determinam o grau de completude do contrato:
custos de transação envolvidos na negociação, custos potenciais
derivados do risco de descumprimento por uma das partes e, finalmente,
a probabilidade de estes riscos se tornarem efetivos. A completude do
contrato será menor se os custos de transação forem mais altos, e será
maior se forem muito grandes os riscos da quebra contratual.
Outro fator importante que explica a existência de contratos
incompletos é a racionalidade limitada dos agentes econômicos. Os
economistas novo-institucionalistas, sob a influência de Herbert
Simon, resistem ao conceito de homem econômico racional assumido pela
teoria econômica neoclássica. Simon resume o problema da racionalidade
limitada como “os limites impostos à habilidade dos seres humanos de
se adaptarem otimamente, ou mesmo satisfatoriamente, a ambientes
complexos” (1991, p. 132, tradução nossa). No caso dos contratos, os
agentes têm limites cognitivos que os impedem de criar relações ou
desenhar contratos que consigam “otimamente, ou mesmo
satisfatoriamente” minimizar todos os riscos de um ambiente ou de uma
transação complexa.
Devido aos custos de transação inerentes à formulação e à execução dos
contratos, e com a racionalidade limitada inerente aos agentes
econômicos, os economistas institucionalistas não têm dúvida: o
contrato perfeitamente completo não existe, posto que os “contratos
são intrinsecamente incompletos” (Azevedo, 2005).
Outra contribuição muito relevante sobre os problemas derivados das
relações contratuais vem da Análise Econômica do Direito (Law and
Economics): o conceito de tomador de riscos mais eficiente (efficient
risk bearer) como solução prática diante de lacunas de contratos
incompletos. Este agente é aquele que teria, ex ante, custos menores
para evitar uma quebra contratual. Se o contrato é incompleto, é
porque, em muitos casos, contém lacunas que não explicitam quem deve
se responsabilizar pelos custos derivados de um conflito ou de uma
quebra. Se existem lacunas, é porque são muitos altos os custos de
negociar cláusulas mais amplamente no momento da redação do contrato.
Com isso, para identificar o “tomador de riscos mais eficiente” de uma
relação contratual é preciso averiguar qual dos agentes teria sido
responsabilizado ex-ante pelos custos da quebra, caso a negociação do
contrato tivesse sido ampliada por apresentar custos de transação
baixos.
Como demonstrado por Coase (1960), naquilo que ficou conhecido como o
seu teorema, se os custos de transação são baixos, o resultado da
negociação será sempre um resultado que minimiza os custos, ou seja,
será o resultado mais eficiente. Levando tudo isso em conta, Cooter e
Ulen (2004) indicam uma forma para identificar o “minimizador de
riscos mais eficiente” em qualquer situação contratual, por meio de
uma barganha hipotética. Quando um conflito ocorre numa relação em que
a matéria do conflito não foi tratada previamente pelos agentes e
existe uma lacuna, o juiz, ou a pessoa que deverá dirimir o conflito,
pode supor o que os agentes teriam decidido se a matéria tivesse sido
discutida no momento da criação do contrato. Em suma: o juiz deverá
hipotetizar quem teria sido responsabilizado ex ante pelo conflito que
de fato ocorreu. Como Cooter e Ulen afirmam, “o contrato ideal aloca o
risco de perdas imprevistas para o minimizador de risco mais
eficiente” (p. 215, tradução nossa).
A teoria econômica dos contratos vai adiante e mostra que, em uma
típica relação contratual comercial, ou entre um consumidor e uma
firma, na maioria absoluta das vezes a firma é o tomador de risco mais
eficiente. O motivo é simples: ela é uma especialista no negócio
envolvido, a sua atividade econômica baseia-se na atuação neste setor,
ela tem todas as informações relevantes sobre os fatos e as incertezas
deste mercado e, se não as tem, é certamente a parte que tem menos
custos para conseguir tais informações. Ou seja, a relação comercial
contratual é, quase por definição, uma relação onde existe assimetria
de informação em favor da firma. Vale enfatizar que, mesmo que a firma
não tenha todas as informações necessárias para evitar riscos
previamente, ela é a parte que teria menos custos para consegui-las.
Não é muito difícil aplicar esta teoria para o caso da relação entre
as instituições financeiras e os tomadores de crédito, sendo estes
pessoas físicas ou jurídicas. As instituições financeiras atuam no
mercado de crédito, este é o seu negócio. Elas têm muito mais
informações sobre a forma de operacionalização deste mercado, são mais
capazes de prever os riscos, os ganhos e as perdas potenciais. Quando
elas não têm essas informações, é muito difícil que os clientes possam
tê-las de forma menos custosa.
Essa breve revisão da teoria econômica dos contratos mostra que o
tomador de empréstimo é a parte desfavorecida na relação contratual,
devido à assimetria de informação sobre o mercado de crédito e sobre o
próprio contrato. Sem a proteção de um terceiro agente, como o agente
da lei, torna-se ainda mais acentuada a maior vulnerabilidade do
devedor nessa relação contratual.
A lei reconhece este indivíduo como mais vulnerável. O Direito do
Consumidor brasileiro identifica o agente hipossuficiente como aquele
economicamente mais fraco. Na relação de consumo, o consumidor é
sempre o agente hipossuficiente. Da mesma forma, o demandante de
crédito junto ao banco, por não atuar profissionalmente na área e não
dispor meios baratos para obter as informações necessárias, é
considerado um agente hipossuficiente.
Na relação de crédito, o emprestador (banco ou outra instituição
financeira) é o minimizador de custos mais eficiente, por ser um
atuante profissional no negócio,. Isso é ainda mais verdade porque o
contrato de empréstimo e todas as condições derivadas desta transação
são, na maior parte das vezes, criadas e oferecidas unilateralmente
pelo banco ao tomador. Além da dificuldade maior para entender a
transação em si, o cliente deve ainda entender o contrato desenhado
integralmente pelo banco. Certamente, a assimetria de informação e os
custos de transação pesam muito desfavoravelmente para o seu lado. Da
mesma forma, em uma situação assim, é claro, que o banco teria muito
menos custos para prever os riscos da transação do que seu cliente.
3. O ENFOQUE UNILATERAL NO DEBATE BRASILEIRO SOBRE INSEGURANÇA
JURÍDICA NO CRÉDITO
O debate econômico brasileiro sobre as relações entre insegurança
jurídica e crédito está dominado por uma visão unilateral do tema, em
que apenas os problemas do credor são objeto de análise. A existência
do problema para os devedores não existe nessa literatura e,
lamentavelmente, também não existe para o Banco Central do Brasil.
Essa seção apresenta de início alguns trechos do trabalho de Arida,
Bacha e Lara-Resende (2005), representativo da tendência dominante no
debate econômico a respeito, e em seguida apresenta trechos de
documentos do BCB. Na seqüência, são destacados alguns trabalhos
jurídicos que tratam do tema pela ótica do credor e apresentam-se os
resultados de pesquisa em andamento na base de dados do Superior
Tribunal de Justiça.
3.1. Defesa unilateral dos credores: a posição dominante no debate
econômico
O trabalho de Arida, Bacha e Lara-Resende (2005) teve grande
influência no debate brasileiro e gerou diversos trabalhos na recente
literatura econômica. Para eles, a incerteza jurídica é a principal
razão para o não desenvolvimento do mercado doméstico de crédito de
longo prazo, na medida em que impede a transferência intertemporal de
recursos:
It is an uncertainty of a diffuse character that permeates the
decisions of the executive, legislative, and judiciary and manifests
itself predominantly as an anti-saver and anti-creditor bias. The bias
is not against the act of saving but against the financial deployment
of savings, the attempt to an intertemporal transfer of resources
through financial instruments that are, in the last analysis, credit
instruments (p. 270).
Para os autores, o problema é amplo e decorre de um posicionamento
generalizado, nos valores da sociedade, em favor do devedor,
apresentado de forma positiva, em detrimento do credor:
The bias is transparent in the negative social connotation of figures
associated to the moneylender – “financial capital” by opposition to
“productive capital”, “banker” as opposed to “entrepreneur”. The
debtor is viewed on a socially positive form, as an entity that
generates jobs and wealth or appeals o the bank to cope with adverse
life conditions. This bias may be observed more or less everywhere,
but it is particularly acute in Brazil, probably because of the deep
social differences and the high levels of income concentration in the
country. Cultural and historical factors could also have facilitated
the dissemination of this anti-creditor bias (p. 270).
Os autores insistem que o viés negativo não é contra a atividade
empresarial, e sim contra os credores:
Jurisdictional uncertainty results from an anti-creditor bias, and not
an anti-business bias … It is also shown by the fact that business
firms are often benefited as debtors by the materialization of the
jurisdictional uncertainty in its anti-creditor bias (p. 273).
Para os autores, a manifestação básica do problema é a dificuldade de
garantir que o Judiciário defenda o acesso dos credores às garantias
oferecidas:
The quality of enforcement of guarantees is poor because both the law
and the jurisprudence are biased towards the debtor. Even if the
creditor has sufficient knowledge of the debtor and feels comfortable
to lend to him for a long period, jurisdictional uncertainty will make
his credit illiquid … Bilateral relationships might work but
jurisdictional uncertainty precludes the possibility of multilateral
impersonal transactions that involve credit over long time periods.
The consequence is the almost complete collapse of a long-term
financial market (pp. 274-5).
A existência desse viés é supostamente comprovada pelo trabalho de
Lamounier e Souza (2002), em que os autores sustentam: "The depth of
this bias in Brazil may be inferred from the answers to a recent elite
opinion survey conducted by two Brazilian political scientists".
Contudo, esse trabalho está baseado em um questionário respondido por
juízes, e não em uma análise das decisões tomadas, realizada com
método estatisticamente significativo. Resultados de surveys como o de
Lamounier e Souza, apesar de relevantes para caracterizar o problema,
não representam comprovação empírica nem devem ser usados como
representativos da população como um todo.
Por fim, os autores reclamam que as autoridades e o Judiciário devem
rever as formas como o problema tem sido tratado no país:
Policy decisions detrimental to holders of financial instruments are
directly responsible for Brazil’s jurisdictional uncertainty …
Independently of the innumerous measures directly hurting the holders
of financial instrument most economic policy decisions that aggravated
jurisdictional uncertainty were probably a consequence of mistaken
attempts to correct its effects (p. 277).
3.2. Posicionamento unilateral do BCB
Pressionado pelos questionamentos recorrentes na sociedade sobre as
elevadas margens de ganhos impostas pelos bancos nas operações de
crédito, os chamados spreads, uma das fontes dos lucros elevados dos
bancos, o BCB desenvolve há anos intensa campanha pela redução do que
é designado por insegurança jurídica. O argumento é de que as
dificuldades e a morosidade na execução das garantias oferecidas
"obrigam" os bancos a impor essa margem elevada, de modo a proteger a
rentabilidade média de suas carteiras.
A responsabilidade é imputada ao Judiciário: além da falta de
agilidade no atendimento das demandas do credor, o Judiciário é
acusado de adotar decisões sempre favoráveis ao devedor, por motivos
"humanitários", o que estimularia o tomador de crédito a adotar
práticas desleais contra o credor. Ou seja: os bancos são vítimas de
pessoas e empresas mal intencionadas, estimuladas por juízes que não
cumprem as normas legais.
Nos seus documentos e nas propostas, o BCB se alinha inteiramente com
o enfoque unilateral da literatura econômica e sequer menciona a
insegurança jurídica do devedor diante da possibilidade de práticas
desleais por parte dos bancos e instituições financeiras. Embora
existam referências sistemáticas a atitudes dessa natureza no Brasil,
o BCB nunca menciona ao menos a possibilidade de que o tomador de
crédito possa correr o risco de práticas abusivas por parte do credor,
diante das quais a proteção é custosa, demorada e com possibilidade de
êxito incerta. Em documentos oficiais e em estudos de seu corpo
técnico, o devedor é sempre tratado como inadimplente potencial,
movido por critérios de má fé, enquanto o banco é apresentado como
vítima indefesa pela falta de proteção jurídica. Nesse esforço, o BCB
reclama mudanças na conduta do Poder Judiciário e nas regras
processuais da Justiça.
Denúncias de abusos de bancos contra seus clientes não são novidade.
Há registros no PROCON e na própria página do BCB. São números
reduzidos, se comparados com o número de clientes dos bancos, mas
tampouco as denúncias que o BCB apresenta contra as supostas atitudes
desleais dos tomadores de crédito estão embasadas em números robustos.
Os documentos do BCB ignoram inteiramente todas essas questões e
concebem a insegurança jurídica como um problema que afeta apenas os
credores, ou seja, os bancos.
Alguns trechos do documento "Economia Bancária e Crédito: Avaliação de
cinco anos do projeto juros e spread bancário" (BCB, 2004, p. 35-36)
são reveladores. Depois de afirmar de início que o "ambiente
institucional e jurídico brasileiro é pouco favorável ao crédito e,
principalmente, aos credores”, o documento não menciona qualquer
problema que esse "ambiente" possa causar aos devedores e toda a carga
é dirigida contra eles.
Referindo-se à Lei 10.931, que obriga o devedor a pagar as obrigações
do contrato de financiamento de imóveis que não estejam sob
questionamento no caso de algum processo judicial, o documento sugere
que esse princípio seja estendido a todos os contratos,
já que se observa com muita freqüência a utilização, por parte dos
devedores, das ineficiências e demoras dos processos judiciais com o
objetivo único de adiar o pagamento de suas obrigações. Uma das formas
mais usuais é questionar aspectos menores relacionados à cobrança dos
encargos financeiros devidos. (...) Alguns juízes entendem ser
adequado desconsiderar o estabelecido na letra da lei ou nos
contratos, alinhando-se com a parte mais fraca da disputa, usualmente
o devedor, contra a parte mais forte, o credor, com o intuito de
promover justiça social (p. 35).
Em seguida, a reforma da Lei de Falências recebe diversos elogios,
pelo
aumento da governança exercida pelos credores sobre os processos de
insolvência, em função da revisão das regras de prioridades de
pagamentos na falência, inclusive a limitação dos créditos
trabalhistas, e a criação e valorização das instâncias de
representação (comitê de assembléia) dos credores na falência e na
recuperação judicial (p. 36).
Esses trechos evidenciam o posicionamento unilateral do BCB. Os
devedores são tratados como potencialmente desonestos, à procura de
brechas na lei para retardar pagamentos ou prejudicar o credor, com o
beneplácito de juízes. Os bancos, ao contrário, não são objeto de
preocupação e nem é mencionada a possibilidade de que possam agir de
forma oportunista.
3.3. Alguns trabalhos que contestam a tese de que os credores sempre
perdem
Silva (2006) e Golek (2005) elencam modalidades de abusos dos bancos,
como venda de produtos induzida, informações incorretas, má fé em
propostas de negociação "irrecusável" de débitos inflados por cálculos
incorretos. Diversos trabalhos empíricos, ademais, sustentam que os
bancos têm grande espaço para tomar atitudes desleais contra os
clientes e contam de fato com a proteção da justiça em boa parte dos
casos.
Dois trabalhos apresentaram refutações empíricas dos argumentos de
Arida et al (2005). Gonçalves, Holland e Spacov (GHS, 2007) criaram um
modelo e proxies para medir o grau de incerteza jurídica e testar a
hipótese de Arida et al (2005) de que esta incerteza jurídica é a
causa das altas taxas de juros no Brasil. Apesar de positivamente
correlacionadas com os níveis de taxa de juros de curto prazo, nenhuma
das cinco variáveis de incerteza jurídica medida por GHS resultou em
fortes evidências a favor da tese de Arida et al. A conclusão de
Gonçalves, Holland e Spacov é de que a incerteza jurídica não explica
de forma satisfatória os níveis e a dispersão das taxas de juros de
curto-prazo. Para estes autores, ao invés das medidas de incerteza
jurídica, os fatores monetários e fiscais parecem ser os principais
determinantes do nível da taxa de juros de curto prazo no país. Vale
destacar que o objetivo destes autores não foi testar a existência da
incerteza jurídica por meio de análise de decisões judiciais para
comprovar o viés anti-credor ou anti-devedor.
O trabalho de Ferrão e Ribeiro (2007) parte da discussão do modelo de
uma função de utilidade dos juízes. Os autores mostram que, embora na
literatura se afirme que os juízes brasileiros desejam ter papel ativo
de mudança social, o chamado ativismo judicial, na prática isso é
muito difícil de acontecer, por diversos motivos, inclusive por
problemas na ascensão profissional na carreira. Além da análise
teórica, a pesquisa parte para a análise e a regressão econométrica de
181 decisões judiciais, em 2004 e 2005, avaliando se o contrato foi
cumprido ou descumprido judicialmente e se a decisão foi favorável ou
não à parte mais fraca da relação contratual, ou seja, à parte
hipossuficiente.
Os resultados contradizem as teses levantadas por Arida et al (2005):
(i) a parte mais forte tem 39% mais chance de ter o contrato mantido
na forma que lhe favorece; (ii) a hipótese de favorecimento judicial
da parte mais fraca não foi comprovada; (iii) a parte mais forte, que
tem cláusulas contratuais a seu favor, tem 45% a mais de chance de ver
o contrato mantido a seu favor, se comparado a uma parte mais fraca,
que também tenha uma cláusula contratual a seu favor. Os autores
concluem afirmando que o favorecimento acontece de forma consistente
para a parte mais forte da relação contratual, diferentemente do que
argumentam Arida et al (2005).
3.4. Uma avaliação empírica das decisões do STJ
Apesar de louvável pelo pioneirismo do debate, a literatura acima
descrita surpreende pela pouca ou inexistente corroboração por dados.
A discussão sobre a insegurança jurídica no Brasil não foi acompanhada
por evidências empíricas, ou seja, por análises de decisões reais
tomadas por juízes nos tribunais.
Foi com o propósito de suprir esta lacuna que parte deste trabalho foi
feito. Foi criada uma base de dados com decisões efetivamente tomadas
pelo Superior Tribunal de Justiça, em processos referentes a dívidas
privadas, de outubro de 1998 a outubro de 2008. Estão incluídos todos
os processos efetivamente decididos pelo STJ no período referentes a
dívidas dessa natureza, conforme detalhado a seguir, e todos foram
consultados e classificados pelos critérios propostos. Todos os
processos estão são disponíveis, na íntegra, em arquivos digitais na
página do STJ, em “Consulta de Jurisprudência”.
Para evitar o envolvimento em questões puramente processuais, uma das
características mais criticadas do Direito brasileiro, somente os
“Recursos Especiais” foram incluídos na amostra, excluindo-se
quaisquer tipos de embargos e agravos. Os recursos especiais são
recursos de apelação contra decisões dos Tribunais dos Estados e do
Distrito Federal, e dos Tribunais Regionais Federais, ou seja, dos
tribunais de segunda instância. Segundo Gaio Júnior (2008), o
pressuposto do Recurso Especial é a existência de divergência da
decisão inferior com relação a uma lei federal.
Além disso, dado o objetivo principal e a motivação inicial deste
trabalho, a análise foi limitada a processos que envolviam conflitos
sobre dívidas contratuais ou não. Contudo, foram excluídos todos os
casos em que o Estado aparecia como uma das partes do processo. Desta
forma, não entrou na amostra nenhum processo que tinha como parte
recorrente ou recorrida: a União, os Estados, os municípios e as
prefeituras, a Fazenda Nacional e a as Fazendas Estaduais, e as
autarquias – tais como Banco Central, Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), etc. De forma
mais específica, nenhum recurso cujo conteúdo referia-se à dívida
pública, execução fiscal ou tributária foi incluído nesse estudo.
Finalmente, foram incluídos todos os processos que, além dos filtros
mencionados acima, foram julgados pelo STJ de 06/10/1998 a 05/10/2008.
Optamos por iniciar a análise exatamente dez anos depois de criado o
STJ, com a promulgação da Constituição, em 05/10/1988, período
suficientemente longo para que se consolidassem as novas leis criadas
e o próprio funcionamento do STJ, que começou a julgar efetivamente no
início de 1989.
Nesse prazo de dez anos, considerados os filtros mencionados, foi
obtido um conjunto de 1.687 recursos especiais julgados pelo STJ,
correspondente ao total de recursos especiais do período referentes a
dívidas privadas.
Os principais resultados desmentem o suposto viés pró-devedor:
Decisões pró-devedor
44,2%
Decisões pró-credor
53,6%
Obs.: Algumas decisões podem não favorecer nem um nem outro, pois
algumas partes litigantes não eram nem uma, nem outra coisa.
Decisões pró a hipossuficiente
39,2%
Decisões contra a hipossuficiente
47,7%
Obs.1: Criou-se uma escala de hipossuficiência onde pessoas físicas
estão configuradas como a parte mais hipossuficiente, empresa estão no
nível intermediário de hipossuficiência, e instituições financeiras,
grandes empresas estatais ou multinacionais são as partes menos
hipossuficientes.
Obs.2: Algumas decisões podem não favorecer nem um nem outro, pois
nestes as duas partes litigantes tinham o mesmo grau de
“hipossuficiência”.
Como se pode observar das tabelas acima, das 1.687 decisões judiciais
analisadas, 746 decisões foram a favor do devedor, 44,2% do total, e
905 foram a favor do credor, 53,6%.do total. Além disso, 39,2% das
decisões favoreceram a parte hipossuficiente, contra 47,7% a favor da
parte mais “forte” da relação. Assim, o principal fundamento do
argumento de ABL (2005) não foi comprovado pela análise empírica.
Destacando-se somente os casos em que instituições financeiras
aparecem como uma das partes litigantes, 1.107 casos, encontra-se o
seguinte:
Parte litigante
Como recorrente
Como recorrido
Instituições financeiras
63,1%
37,2%
Empresas/Pessoas Jurídicas
12,1%
18,6%
Pessoas Físicas
24,6%
44,0%
Decisões pró-devedor
44,9%
Decisões pró-credor
53,7%
Obs.: Algumas decisões podem não favorecer nem um nem outro, pois
algumas partes litigantes não eram nem uma, nem outra coisa.
Decisões pró a hipossuficiente
43,8%
Decisões contra a hipossuficiente
55,3%
Quando a análise se concentra nos casos onde instituições financeiras
estão envolvidas no litígio, percebe-se que, dos recursos especiais
que chegaram ao STJ, mais de 63% foram movidas pelas instituições
financeiras. Novamente, as decisões do STJ não evidenciam um viés
pró-devedor, nem pró-hipossuficiente.
4. UM MODELO TEÓRICO PARA INCLUIR A INSEGURANÇA JURÍDICA DO DEVEDOR
O objetivo do modelo proposto é mostrar que a insegurança jurídica
cria restrição de crédito, tanto pelo lado do credor quanto pelo lado
do devedor. Conforme discutido na introdução, o tomador de crédito
corre riscos de que o banco tome atitudes não previstas ou previstas
de forma parcial no contrato, com aumento de encargos, ou suspenda o
crédito em momento difícil, ou adote punições absurdas em situações em
que seja forçado a atrasar os pagamentos. De acordo Cooter e Ulen
(2003), o cliente sempre é a parte que tem menos informação, por
definição, por não conhecer ou por não entender claramente as
cláusulas do contrato. Do lado dos credores, não há incentivos para
informar adequadamente aos devedores as condições dos contratos, o que
aumenta de forma considerável a incerteza para o devedor sobre o custo
que de fato irá suportar no relacionamento com o banco.
No modelo tradicional, a assimetria ocorre porque as partes envolvidas
têm informações diferentes (assimétricas) sobre o produto/serviço
negociado. No mercado de crédito, a informação assimétrica está
associada principalmente a dois problemas: risco moral e seleção
adversa.
O risco moral existe no mercado de crédito porque os devedores possuem
incentivos para aplicar os recursos obtidos de forma diferente do que
foi acordado com o credor. Como a condução do empreendimento
financiado é observada apenas parcialmente pelo credor, o devedor fica
livre para investir em projetos que lhe proporcionem retornos mais
altos, o que o deixa mais exposto a risco e à possibilidade de ficar
inadimplente. Neste sentido, o risco moral surge porque, após a
assinatura do contrato, é muito custoso para o credor, ou mesmo
inviável, a monitoração da conduta dos devedores. A pressuposição é
que os devedores não têm incentivos para informar ao credor as reais
taxas de retorno e de risco dos projetos que vão de fato implementar.
Neste sentido, a existência de risco moral impõe custos adicionais
decorrentes da necessidade de monitoramento das ações do devedor pelo
banco.
O objetivo do modelo aqui proposto, contudo, é discutir o problema do
racionamento de crédito causado por seleção adversa, e não o aumento
de custo de monitoramento por parte do credor. Por isso, o enfoque
adotado é a análise das conseqüências da seleção adversa no mercado de
crédito provocada pela insegurança jurídica do tomador de crédito.
Na abordagem microeconômica sobre os efeitos da assimetria de
informação no mercado de crédito, a seleção adversa ocorre porque os
tomadores conhecem melhor sua capacidade de saldar a dívida vis-à-vis
o emprestador. No entanto, esta capacidade de pagamento difere entre
os tomadores. Se as instituições cobram a mesma taxa de juros de todos
os emprestadores, há uma atração dos projetos de alto risco e maior
probabilidade de inadimplência. Isso estimula maior elevação nas taxas
de juros, o que atrai cada vez mais tomadores de maior risco e afasta
os tomadores de menor risco. Esta atitude faz com que a proporção de
tomadores com projetos mais arriscados aumente dentro do grupo de
indivíduos que tomam crédito.
A seleção adversa de tomadores de empréstimos pode ser entendida como
a seleção, por parte dos bancos, de um grupo específico de clientes
que difere em determinados atributos de risco da média observada na
população total. Sendo assim, é a seleção, por parte dos bancos, de
uma carteira de clientes com determinadas características que tornam o
risco dessa carteira superior ao risco médio da população.
O modelo aqui proposto contribui para a discussão do problema da
restrição de crédito bancário no Brasil ao incluir, no modelo
convencional, os efeitos da insegurança jurídica para a seleção
adversa e, consequentemente, para a restrição de crédito. Do ponto de
vista do devedor, a incerteza é gerada porque o banco dispõe de
condições para fazer alterações no contrato acordado de início, ou
para interpretá-lo de forma difícil de ser prevista pelo devedor.
Pelos motivos expostos, ligados ao custo de elaboração e de
monitoramento dos contratos, assume-se que a assimetria de informação
do lado do tomador de crédito decorre de este não ser bem informado
sobre os termos dos contratos.
A medida do custo de acesso ao setor bancário pode estar associada ao
custo de oportunidade de uso do crédito bancário devido à presença de
assimetria de informação das cláusulas do contrato2. Decorre daí que a
taxa de juros que o banco cobra do tomador de baixo risco será sempre
maior do que a taxa que este tipo de tomador julga que deveria pagar
dado o risco que ele corre em sofrer insegurança jurídica. Por outro
lado, a taxa de juros desejada pelo devedor é sempre menor do que a
taxa que o banco acredita ser justa, uma vez que ele também incorre em
custo da incerteza jurisdicional. Assim, a taxa cobrada pelo banco,
baseada no valor esperado do retorno de empréstimo, é muito mais alta
do que a taxa esperada pelo tomador de menor risco.
Ocorre que, pelo fato de a taxa cobrada pelo banco ser maior que a
taxa esperada pelo tomador de menor risco, este tipo de cliente está
fora desse mercado, uma vez que, a taxa de juros de mercado está acima
da sua taxa marginal de reserva, ou seja,
O resultado final dessa dinâmica é que apenas o tomador de maior risco
está disposto a tomar o empréstimo, levando a uma seleção adversa
nesse mercado, em que apenas os tomadores de projetos mais arriscados
tomam empréstimo, uma vez que a taxa cobrada pelo banco ainda é uma
taxa abaixo da taxa de reserva desses tomadores.
Com isso, o tomador de crédito de melhor risco, de maior segurança
quanto ao resultado de seu empreendimento, é induzido a restringir a
demanda de crédito bancário e a preferir operar com recursos próprios,
o que reduz a alavancagem geral da economia e restringe a expansão de
negócios de melhor potencial. Em paralelo, as incertezas envolvidas no
crédito tornam as operações mais atraentes para o tomador de maior
risco, que aposta em retorno muito alto ou que não se preocupa tanto
com o risco do negócio, pois tem menos a perder.
Forma-se assim a tendência de que as carteiras dos bancos concentrem
um número elevado de tomadores para quem as incertezas sobre o próprio
negócio permitem acomodar o risco de querelas com o banco e as
conseqüências de entrar em inadimplência em algum momento. Com maior
risco de inadimplência da carteira em conjunto, os bancos elevam as
taxas de juros médias. As conseqüências desse processo são altos
spreads bancários e dificuldades para a ampliação do crédito no Brasil
devido à seleção adversa, que acaba selecionando para tomadores de
crédito os agentes com perfis arriscados.
4.1. O lado do devedor
O termo seleção adversa é utilizado quando uma característica do
agente é observada de forma imperfeita pelo agente principal (Salanié,
2005). Entre os principais modelos teóricos que abordam a seleção
adversa em vários mercados, estão AKERLOF (1970) e STIGLITZ & WEISS
(1981) para o caso em que a seleção adversa leva ao racionamento de
crédito.
Tomando como base o modelo de Akerlof (1970) de mercado de limões, o
modelo aqui proposto assume a existência de dois tipos de tomadores no
mercado de crédito: os que apresentam projetos de menor risco (ou
projetos "bons"), , e os que apresentam projetos de maior
risco (ou de qualidade inferior), .
Projeto de menor risco pode ser definido como aquele em que a projeção
de resultado não é excessivamente otimista ou pessimista, ou seja, em
que o proponente tem uma visão realista do tempo requerido para
conseguir o retorno previsto.
Para cada tipo de tomador há uma taxa de juros máxima, na qual cada um
decide tomar o empréstimo. Sendo assim, assumimos que:
- é a taxa máxima aceita pelo tomador de empréstimo com
projeto de maior risco. Para qualquer taxa acima dessa, o tomador está
fora do mercado;
O tomador de crédito com projeto de menor risco não tem como saber
previamente se vai enfrentar ou não problemas decorrentes de
insegurança jurídica, mas ele sabe que existe a probabilidade de
incorrer em insegurança jurídica. Chamaremos essa probabilidade de
.
O tomador, portanto, toma a sua decisão levando em conta que terá
problemas com o credor com probabilidade θ e que não terá problemas
com probabilidade .
A variável capta a presença de insegurança jurídica. Quanto
maior , maior a probabilidade de haver a insegurança jurídica,
quanto menor for o , menor é a probabilidade.
Desta forma, temos:
1.
sem insegurança jurídica, o tomador de crédito com projeto de
menor risco não terá problemas com o credor nem incorrerá em
custos com a justiça; para este caso, a taxa de juros máxima
aceita (preço de reserva) é ; acima dessa taxa, o tomador
de menor risco não toma empréstimo;
2.
com insegurança jurídica, o tomador de menor risco enfrentará
problemas com o credor e terá custos judiciais, acompanhado da
incerteza de uma decisão favorável; a taxa de juros aceita, diante
dessa possibilidade, é ; acima dessa taxa, o tomador de
menor risco não toma empréstimo.
Como não há certeza por parte do tomador se terá ou não problemas com
o credor, o tomador vai requerer uma taxa que será o valor esperado
entre as duas taxas. A nova taxa agora será expressa por um valor
esperado entre a taxa com a certeza de não haver insegurança jurídica
e a taxa com a certeza de haver insegurança , sendo
, uma vez que, a insegurança jurídica aumenta o custo do
tomador, sendo assim, com a insegurança aceita se endividar a uma taxa
menor.
Por conta da assimetria de informação, o tomador de empréstimo conhece
apenas o comportamento médio dos bancos, sendo o custo para obter mais
informação proibitiva para o tomador de empréstimo, portanto aceita se
endividar pagando uma taxa média entre as duas taxas.
Genericamente podemos representar os dois resultados possíveis por:
e , sendo as probabilidades de cada resultado
indicadas por e . Temos então a seguinte equação para
o valor esperado das taxas:
(1)
Sendo o valor esperado entre as duas taxas. Por definição
temos que
.
A suposição aqui assumida é que o custo da insegurança jurídica para o
tomador do tipo B (mau pagador) é irrelevante para a sua tomada de
decisão, uma vez que já é grande a possibilidade de não conseguir
honrar o contrato.
Ocorre que do lado do credor há também incerteza associada ao tipo de
tomador de crédito e também à insegurança jurídica. Com isso, a taxa
de juros requerida pelo credor incluirá o risco médio do mercado
associado com o custo potencial da insegurança jurídica, o que eleva a
taxa de juros acima da taxa aceita pelo tomador de menor risco.
4.2 O lado do credor
Para demonstração do lado do credor tomaremos como base o modelo de
racionamento de crédito de STIGLITZ e & WEISS (1981).
O problema com que o credor se depara para a sua tomada de decisão de
quanto deverá ser a taxa cobrada pelo empréstimo pode ser representado
da seguinte forma:
Considere sendo o valor do empréstimo, a probabilidade
de o tomador honrar o pagamento do valor do empréstimo e a
probabilidade do não pagamento; é o custo do banco em recorrer
à justiça no caso do não pagamento; é a probabilidade do
resultado da justiça ser favorável ao banco. A variável capta
a presença de insegurança jurídica.
O credor, portanto, faz o seguinte cálculo para definir a sua taxa de
juros:
(2)
Em que: é o valor esperado do retorno do empréstimo.
Por definição , portanto, o credor define a sua taxa de juros
considerando essa perda esperada, que é muito acima da taxa cobrada,
caso tivesse a certeza do retorno do empréstimo e, portanto, isento do
custo da incerteza jurisdicional. Da mesma forma, essa taxa é mais
alta do que a taxa aceitável para o tomador de menor risco,
representada pela equação (1).
O resultado final dessa dinâmica é que o tomador de maior risco é
incentivado a tomar empréstimo e o tomador de melhor risco é levado a
tomar atitudes mais cautelosas, levando a uma seleção adversa nesse
mercado, uma vez que a taxa cobrada pelo banco ainda é uma taxa abaixo
da taxa de reserva do tomador de maior risco.
Tal como mostrado pelo modelo de STIGLITZ e & WEISS (1981), à medida
que o credor percebe que a maioria dos tomadores de crédito é de alto
risco, eleva mais ainda a taxa de juros, o que contribui para o
aumento da proporção de empréstimos mais arriscados. Essa sequência de
aumentos na taxa de juros continua até que o mercado se equilibre num
ponto sub-ótimo, caracterizado por uma proporção muito alta de
projetos mais arriscados, entre os que obtêm financiamento e por uma
demanda de crédito inferior às possibilidades de alavancagem dos
projetos de melhor qualidade. Em outras palavras: por haver informação
assimétrica e insegurança jurídica, há no mercado de crédito um
equilibrio sub-ótimo, em que o endividamento e alavancagem estão
abaixo do que seria possível num contexto de maior segurança jurídica.
NOTAS FINAIS
O trabalho defendeu que sejam estendidas aos riscos do devedor as
análises sobre as implicações da insegurança jurídica para a oferta e
o custo do crédito no Brasil. Para tanto, apresentou argumentos
teóricos para sustentar que o devedor hipossuficiente é a parte mais
frágil nos contratos de crédito.
Na seção 2, a partir das teses da Nova Economia Institucional,
sustentou-se que, devido aos altos custos de transação e à
racionalidade limitada dos agentes econômicos, os contratos no mundo
real tendem a ser incompletos. Para resolver conflitos derivados
destes contratos, é preciso identificar o tomador de risco mais
eficiente que, no caso, é normalmente a instituição credora. Ou seja,
a teoria mostra que o tomador de empréstimo é a parte desfavorecida na
relação contratual, devido à assimetria de informação sobre o mercado
de crédito e sobre o próprio contrato.
Na seção 3, mostrou-se que o problema é tratado de forma unilateral no
debate brasileiro. Além da crítica às teses prevalecentes e a
posicionamentos do BCB, foram expostos os resultados da análise
minuciosa de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça,
referentes a processos envolvendo dívidas contratuais. Os resultados
evidenciam não haver o suposto viés anti-credor proclamado pela
literatura prevalecente nessa área. Apesar disso, também não ficou
claro que exista um viés anti-devedor. Ou seja, pelo menos no que se
refere ao STJ (um dos tribunais de última instância da Justiça
brasileira), não existe explicitamente nenhum tipo de viés, em nenhuma
direção, pró-devedor ou pró-credor.
Na seção 4, foi proposto um modelo para sustentar a tese de que o
problema de insegurança jurídica do devedor causa redução do crédito e
da alavancagem da economia, em prejuízo dos melhores projetos, e
elevação do risco das carteiras dos bancos. Ou seja, a insegurança
jurídica provoca no mercado de crédito um viés anti-devedor.
O trabalho pretendeu ampliar a discussão do tema e chamar a atenção
para a necessidade de políticas públicas para enfrentar o problema,
criticando a posição unilateral do BCB, focada inteiramente na defesa
dos credores.
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1 Ana Lúcia Pinto da Silva é Professora de Economia da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e doutoranda em Economia na EESP/FGV-SP;
Luciana Luk-Tai Yeung é Professora de Economia do INSPER IBMEC São
Paulo; Carlos Eduardo Carvalho é Professor do Departamento de Economia
da PUC/SP. Agradecemos as críticas e sugestões de Frederico Gonzaga
Jayme Jr., do Cedeplar/UFMG, e de participantes do seminário do Grupo
de Pesquisa em Moeda, Finanças e Desenvolvimento, da PUC/SP, em junho
de 2010.
2 Ver Cooter e Ulen (2003)
17

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  • ZAŁĄCZNIK NR 2 SZCZEGÓŁOWY OPIS PRZEDMIOTU ZAMÓWIENIA 1 PRZEDMIOT
  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA COMISSÃO DE
  • CLASE 18 PRONOMBRES PERSONALES OBJETIVOS POSESIVOS REFLEXIVOS Y ADJETIVOS
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